"Todos os Dias" é o primeiro romance de Jorge Reis-Sá, que terminei recentemente. Jorge Reis-Sá é o responsável pelas Edições Quasi, que é quanto a mim, a melhor e mais estimulante editora no campo da poesia actualmente em Portugal, e tem feito um trabalho magnífico e crucial que deve ser reconhecido, quer no lançamento de novos autores de poesia, quer na reedição de autores clássicos e que se diriam incluídos no “cânone”. E tem também uma outra vertente que a mim me encanta particularmente, a edição de livros compilando letras de cantores, da sua poesia para a música que fazem, dos quais destaco o “Letra Só” de Caetano Veloso e “Na Terra dos Sonhos” de Jorge Palma, e mais recentemente o livro de Leonard Cohen.
Quanto ao romance, é um livro muito bonito e comovente, que se lê num sopro. Um livro sobre a perda de pessoas que amamos. Todos os personagens, narradores cada um deles, vão dando a conhecer as suas vidas simples que giram todas em torno de uma ausência que lhes é comum, de uma morte recente, a de Augusto.
O livro desenrola-se ao longo de um dia como todos os outros, contado desde a aurora até ao cair da noite, como metáfora da própria vida, por Cidinha (também já morta, mãe de António e avó de Augusto), António e Justina (casados, pais de Fernando e Augusto e avós de Rafael) e Fernando que nos trazem os momentos vividos na casa antes da morte de Augusto, muito mais que os momentos que vivem no presente, sempre agarrados àquela presença que já não é e ao que significou quando ainda era.
É um livro sobre pessoas, muito sobre nós; Sobre o que somos na essência, do que somos feitos e do que fazem de nós, da nossa existência inevitavelmente em função do outro, de alguém ou de vários alguéns que nos dão sentido. Existem estas pessoas sobretudo para a perda que sofreram e que não os larga, vivem para e em relação a essa ausência, muito mais do que para si mesmos ou para as suas vidas comuns que se tocam apenas de forma banal, mesmo que quotidianamente juntos. São sobretudo o que perderam naquele neto, filho, irmão, do que propriamente a sua concreta existência. E nem a presença de um menino feliz, o Rafael, parece trazê-los à vida ou ao esquecimento do passado e da perda, em dias que se tornam, todos os dias, demasiados e demasiadamente longos…. Uma escrita muito fiel ao sentir humano, muito real, muito genuína, que chega a fazer-nos esquecer que se trata de ficção, e isso é o que tem de mais magnífico e belo este livro. Além disso, o autor vai buscar expressões, modos de falar e dizer muito fiéis a relações que nos dizem muito e teve a enorme e inexplicável magia de me trazer do baú sentimental que todos temos cá dentro um mundo por mim esquecido mas que ainda guardo, que se resume na passagem em que o menino grita a certo ponto para a avó (como todos gritámos um dia, pequeninos e inocentes):
- Bó! (e é este “bó” assim dito, que tanta, tanta coisa me traz…)
Perguntando-lhe eu
- Que queres?
O meu menino, a minha terra. Aquela que nunca ensinei ao Augusto ou ao Fernando, não mo deixou a vida e o trabalho. Mostro-lhe de que é essa terra feita, as galinhas, os bichinhos como ele já diz. Seguro-o à cinta e repito – Este menino é a melhor coisa do mundo que a gente tem.
É disto que falo, desta humanidade, desta densidade de universos pessoais tão bem descritos, e é esta uma nova literatura portuguesa que merece ser lida, e é este um dos livros que melhor a representa.
2 comentários:
Caro Rui
muito obrigado por esta leitura, que muito me honra. Espero poder oferecer-lhe em 2009 novo romance, assim me ajude o engenho e a arte...
Abraço
Jorge Reis-Sá
Jorge Reis-Sá
Se por acaso cá voltar de novo, agradeço o comentário que deixou... É também uma honra para mim a visita. Um abraço e esperemos então que a arte e engenho se mantenham por muitos anos! :)
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